Uma breve reflexão sobre Yoga

Por Caroline Maciel da Silva

Convidaram-me a falar um pouco sobre Yoga!

Engraçado que para começar a escrever sobre o assunto, com tal espontaneidade, realizei alguns exercícios para relaxar o corpo, mantê-lo desperto, tornar a mente receptiva ao tema para, então, sentar em frente ao computador.

Acho que agora já iniciamos a nossa conversa sobre Yoga, ou o que venho compreendendo desde que comecei meus estudos!

Existe um preparo, um “treino” diário para sairmos do automático, para ganharmos consciência do aqui e agora e agirmos de acordo com um novo/recém chegado olhar.

Um preparo para que vivenciemos a realidade pura e simples nas relações sem manter qualquer dependência com experiências tidas anteriormente, compreendendo que cada momento é único em seu potencial de realização, de livre expressão do ser!

Diariamente, reproduzimos de maneira mecânica comportamentos pré-concebidos, condicionamentos atrelados a gostos e aversões que pensamos serem determinantes na hora de nos relacionarmos com o universo ao nosso redor, mas que em verdade apenas limitam nossa interação com o mundo, pois extinguem o processo criativo inerente a cada ser.

Os cinco sentidos estabelecem o contato do individuo com o mundo.  Eles captam impressões externas e as recodificam através do pensamento. Os pensamentos geram emoções que interferem no funcionamento de cada célula, cada glândula do corpo. Devido aos diferentes estímulos que recebemos a todo o momento, o fluxo de pensamentos é quase que incessante e descompassado, tornando-nos vulneráveis as emoções à medida que nos identificamos com (confundimos ser) os pensamentos formados, impedindo-nos assim, de manifestar a felicidade que essencialmente nos constitui.

O Yoga atua exatamente nesse processo de desidentificação do Eu – que é permanente e, portanto, sem forma – com o corpo físico – impermanente – e com as formas que a mente assume que também estão igualmente em constante mudança.

E como se dá esse processo de desidentificação que é peça chave para a libertação/expressão da felicidade não-dependente de qualquer estado?

Dentro do Yoga, os ásanas particularmente têm ganhado efetivo espaço nos países ocidentais pelo vigor físico que proporcionam, mas também, a meu ver, pela proposta, pelo chamativo de uma vida mais harmônica e mais plena!

A permanência em cada ásana (postura) revela um fator interessante e fundamental no entendimento do Yoga em si, que é a capacidade de lidar com serenidade e respeito para consigo mesmo, com o apelo da mente e com as emoções que surgem, observando o claro processo de identificação com os estados potencializados pela postura, tendo em vista que são apenas momentâneos. É compreender os limites e o controle que possui para desfazer a posição no instante seguinte com a mesma consciência com que entrou e permaneceu na postura.

Esse “treino” estende-se espontaneamente para além da prática semanal de ásanas, alcançando essas sutilezas no dia-a-dia de cada um, dando mais domínio e leveza para agir em situações adversas. Resultado esse que se acentua significativamente quando realizado em conjunto com a prática de pranayamas que consiste primeiro em dominar a respiração para, em seguida, ter domínio sobre o prana (energia vital) que circula pelo corpo e que trocamos constantemente com o meio.

É fácil observar que nossa respiração funciona de maneira singular em cada estado físico, mental e emocional.

Por exemplo, quando estamos relaxados numa postura confortável, a freqüência entre uma inspiração e outra diminui, o ritmo cardíaco e o fluxo de pensamentos também, podendo gozar de tranqüilidade, paz e muitos outros benefícios que um estar relaxado propicia. Existe uma relação intima entre esses estados (físico mental e emocional) com a respiração, que se compreendida através da observação que intui o Yoga, é possível modificá-la, sem necessariamente, estar vivenciando condições externas favoráveis e obter, assim, concentração e controle suficientes para transpor às pressões internas e cobranças do dia-a-dia.

Já a meditação, se faz em silenciar o corpo adotando uma postura estável e confortável para permanecer por bastante tempo e utilizando estímulos externos, que não silenciam com o simples adotar da postura (como sons e aromas), para se concentrar ainda mais com o objetivo de reduzir o fluxo mental e experienciar o Ser que emana amor e que somos, sem que nenhum esforço precise ser feito!

Diversos são os elementos que conduzem a prática da meditação e também dos ásanas e pranayamas… Falaremos sobre cada uma dessas vivencias, dando-lhes a devida atenção em outro momento.

Agora, para finalizar, gostaria de colocar primeiro uma definição que me ocorreu quando começava a escrever esse artigo, e que me ajudou a elencar esse conteúdo tão fundamental e, em seguida, gostaria de trazer uma reflexão além, que eu não conseguiria escrever com tamanha riqueza visto que a experiência ainda me falta:

O Yoga faz com que nos despertemos para o presente e isso significa aprender a apreciar o gosto real das coisas, e não mais como elas deveriam ser e não são. Ele traz um preparo anterior à ação, e esse preparo consiste exatamente em nos chamar para o presente/a tomar consciência a cada momento de como estamos para agir de maneira completa relacionando corpo/mente com o Ser (realizando um mudra, como diria uma professora, que é todo gesto consciente dedicado a práticas espirituais).

“O iogue que viu a Verdade sabe que não é ele quem age enquanto vê, ouve, toca, cheira, come, caminha, dorme ou respira;

Conversa, deixa ir, sujeita, abre ou fecha seus olhos, tudo com a convicção de que são os sentidos que se movem em sua respectiva esfera de ação.

Aquele que dedica suas ações a Brahman e as executa sem apego não é maculado pelo pecado, como as pétalas do lótus não são tocadas pela água.”

Bhagavad-Gita segundo Gandhi, capítulo V.

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Alimentação e Yoga

Por Joana Pinheiro

Introdução

Duas grandes forças concorrem para a permanência do ser humano na Terra: o instinto da autopreservação e o da propagação da espécie. Trataremos sobre a força natural de autopreservação que se expressa através da alimentação. “É uma lei natural que o corpo substitua as energias gastas. Ele necessita de nutrição”(p.83, Yesudiam). Hermógenes conceitua alimento como uma substância capaz de fornecer calor, construir tecidos e reparar perdas”. Um bom alimento, segundo Hermógenes é aquele que não exige muito esforço para ser digerido, assimilado e eliminado. Citando Hauser, Hermógenes afirma ainda que a alimentação adequada deve conter nutrientes em quantidade e qualidade adequadas às perdas energéticas daquele que se alimenta.

Restaurar a ordem no organismo proporciona grande deleite; quando o homem sacia sua fome, converte o desconforto em alegria. Entretanto, refletindo sobre o quanto a fome, a saciedade, a exacerbação do comer, a exaltação do prazer gustativo são capazes de interferir diretamente em nossos estados mentais, diversas questões vieram à baila como pontos cruciais de conhecimento, reconhecimento e por vezes superação na caminhada espiritual de um yoguin.

Desde a mais tenra infância somos convocados ao prazer oral. O segundo néctar que nos adentra, após as primeiras horas de vida é o colostro, sendo o primeiro, o ar. Um líquido especialmente elaborado pelo organismo de nossa mãe para o nosso organismo. Uma inteligência maior regeu nosso paladar a ter afinidade com alimentos, de tal sorte que sentimos imenso prazer em nos alimentarmos. Tão relevante para nossa fisiologia é a incorporação de nutrientes, que a alimentação foi propulsora de nossa histórica formação cultural como seres sociais. De nômades à sedentários, agricultores e domadores de fogo, nos tornamos hoje especialistas em comer. Mas que comer é esse? Quantos sentidos ocultos há no ato de alimentar-se? Sentidos culturais, sociais, psicológicos, políticos, filosóficos, ecológicos,  e todos eles, coadunando para a emergência de nosso ser maior, o ser espiritual.

Mais que um simples ato de nutrir-se, a alimentação encena a materialização dos símbolos mais sagrados de preservação da espécie animal. A incorporação dos nutrientes que impulsionarão a vida física significa para muitos, também a representação da segurança psíquica. A fome, como ameaça à nossa sobrevivência, é causa unânime de desprazer e inquietação. O que se pretende aqui é equacionar algumas variáveis que inundam nosso cotidiano alimentar, destacando os 3 sentidos da alimentação enunciados pelo filósofo Gabriele Cornelli e sugerindo um quarto sentido, que emerge do estudo de autores yogues, qual seja, o espiritual.

Em seu artigo “Os sentidos da alimentação: para uma antropologia filosófica da alimentação”, Cornelli descreve o sentido ecológico, político e poético da alimentação. O sentido ecológico é aquele em que o ato de nutrir-se implica numa relação cultural com a natureza que é de caráter cíclico e portanto (ainda que teoricamente/filosoficamente) não-predatório. “Alimentar-se é uma troca contínua com o mundo” (p.28, Cornelli), alimentar-se é receber, mas é também oferecer. O processo fisiológico em que o corpo recebe alimento e devolve dejetos é natural na cadeia alimentar. Por outro lado, se fosse possível possuir tais alimentos dentro do corpo, morreríamos. O movimento, a troca é vital: “Reter é morrer não só fisiologicamente, mas é morrer nessa troca de vida que vamos implementar na alimentação entre nós e o mundo”. O autor coloca que nossa atitude com a natureza deve ser de respeito sagrado, sem posse ou violência. A troca através da alimentação deve preservar a essência das relações de troca no geral: a fruição do prazer e o impulso para a vida e não o fim dela, e nisto reside um sentido implícito de amor.

Há algo que a antiga ciência indiana acrescenta em favor de nossos estudos: “todos os alimentos, particularmente as verduras e frutas cruas, o leite, os produtos do leite e o mel estão cheios de prana indispensável à manutenção da vida, da energia e da saúde” (Yesudiam, p.88).

Quando tratamos de prana, devemos lembrar que a troca através da respiração é uma das bases do Yoga. Os pranayamas são experiências maravilhosas de relação com o mundo. Inspiramos e temos porções do meio dentro de nós. Retemos. Saboreamos cada sensação de se ter a natureza tão intimamente impregnada em nossos poros internos. Expiramos, devolvendo ao meio o que lhe pertence com um pouco de nós mesmos. Não se pode voltar a ser o mesmo que era antes desta inspiração; nos compomos deste prana sutil que inunda nossos pulmões e alcançam cada célula de nosso corpo e da mesma maneira nos apropriamos do prana contido nos alimentos. “Cada átomo de comida contém uma infinidade de prana alimentício que poderá ser liberado através de uma mastigação completa” (Yesudiam, p.88).

Hermógenes nos conta que os hinduístas concebem o homem integral como formado por cinco revestimentos (koshas). A camada mais densa, ou nosso organismo físico, “não passa de um agregado de matéria, formado exatamente pelos alimentos que consumimos” (Yoga para nervosos, p. 107). O prana, ou bioenergia além de dar vitalidade ao organismo forma a camada energética, uma esfera bastante sutil da composição humana. O prana encontra-se nos alimentos, mas não em qualquer um…

Cornelli não é o único autor a observar que até a história da humanidade na Bíblia começa com um problema sobre o que se pode ou não comer (os frutos da árvore do Bem e do Mal). Segundo suas observações, este não é o único mito que coloca a morte ou o envelhecimento como punição ao ser humano que não respeita a lógica ecológica da alimentação. Sem o devido respeito ao fluxo natural das trocas, o ser humano acaba quebrando o caminho natural e eterno das coisas, e esta é a deixa para a morte. Este primeiro sentido nos lembra que alimentar-se é estar num estado de troca de amor com a natureza, sem posse ou pertencimento mercantilistas. “É aqui que talvez encontremos o sentido mais profundo de uma alimentação ecológica: comer de maneira ecológica é aprender a amar, aprender a ter uma relação com a natureza e com o alimento e com aquilo que é simplesmente natural, mas que cria e promove a eternidade” (p.30, Cornelli). Desde tempos imemoriais já havia indicações de onde encontrar o prana alimentício:

“E Deus abençoou e disse: Eis que vos dei as ervas que dão semente sobre a terra e todas as árvores que encerram em si sementes do seu gênero, para que vos sirvam de alimento. E a todos os animais da terra e a todas as aves do céu e a tudo o que se move sobre a terra, e em que há alma vivente, toda a erva verde lhes será para mantimento” (Gênesis: 1-28-31)

Ou seja, o sentido ecológico de comer encontra-se em consonância  com a filosofia Yogue desde que assume o ser humano como parte do Universo, que aceita trocas paritárias entre o homem e o meio pois que, em verdade não são partes separadas, mas pertencem a um Todo. Ser humano e natureza são um. Duvidar disso tem sido o caminho para longe de si. O recebimento de prana, seja por respiração ou alimentação estabelece a condição de não-violência, de não interferirmos predatoriamente neste meio que nos acalenta. “Alimentar-se em consonância com as leis cósmicas (…) significa compreender a enorme importância de viver integrado ao mecanismo intrínseco e mágico da vida. Nesse desabrochar de um novo homem, a alimentação é um elemento dos mais importantes” (Dr. Márcio Bontempo, p. 08).

O segundo sentido que Cornelli propõe explorar é o político. Tal sentido coloca em questão se um alimento é bom ou ruim para consumo, não em relação à sua composição nutricional, mas em relação aos seres humanos envolvidos em suas condições de produção, distribuição e consumo. Ou seja, o valor político deste alimento é viável para a sociedade? As tramas que nascem dele ou que dele derivam são benéficas para o ser humano? Essas questões emergem da relação do humano com sua cultura, não mais com a natureza, como discutido no sentido ecológico. O sentido ético e político da boa alimentação leva a conflitos bastante acalorados, como o tratamento que recebem os funcionários de um fast food, o tratamento que é dado à própria comida consumida nesses locais, as relações de exploração nos campos brasileiros, a monocultura, os atravessadores das multinacionais (que pagam barato ao produtor e revendem superfaturando para os consumidores finais) enfim, o autor discute a gestão da justiça na alimentação; “a boa comida é a comida produzida da maneira justa” (p. 32), cita o autor. Ao que tudo indica temos nos alimentado de maneira injusta e não sustentável: inúmeros são os explorados entre a produção e o consumo final e não há grandes perspectivas de uma alimentação saudável para as gerações futuras. Desta forma o autor, brincando, propõe uma utopia; que em tempos vindouros tenhamos uma opção a mais nas prateleiras de supermercados (além de com-agrotóxico ou sem-agrotóxico): produtos que constem ser politicamente bons, produzidos por comunidades norteadas por mais justiça em sua organização, em que as pessoas não sejam exploradas.

Dr. Bontempo afirma já haverem no Brasil meios de produção totalmente livres de elementos sintéticos. Entretanto não podemos saber se esses meios são capazes de assegurar justiça nas relações trabalhistas no campo e nos processos que se seguem. Na verdade o citado autor aponta para a grande máfia por trás da produção, que é o interesse unânime por lucro, a despeito do prejuízo para o meio ambiente ou para a qualidade de vida dos envolvidos no processo de produção, distribuição e consumo do alimento. A dieta orgânica é amplamente incentivada no meio Yogue pois dispensa o uso de agrotóxicos, extremamente agressivos ao meio ambiente e com efeitos danosos ao organismo humano. Mas a alimentação natural vai além deste quesito, “o alimento natural é aquele que nos chega como uma dádiva, ou presente, da natureza, como é o caso dos cereais integrais, das frutas, cujas plantas não precisam ser mortas para servirem de alimento: ou morrem naturalmente, deixando as sementes, ou podem ser retiradas sem que a planta principal tenha que ser sacrificada” (Bontempo, p. 11). Ou seja, seres que não apresentam reação de fuga ou temor frente à fome humana seriam alimentos de ordem mais apropriada ao consumo. Neste ponto voltamos a lembrar da importância do prana, como vimos, ele está concentrado em alimentos vivos e que nos são dados pela natureza gentilmente.

Esta discussão sobre o sentido político da alimentação nos coloca a importância da maneira como nos relacionamos com o alimento desde a verificação de sua proveniência. Afirma o engenheiro ambiental Daniel Francisco de Assis que “quando escolhemos orgânicos, dizemos não para uma indústria poderosa que visa lucro. E dizemos um grande sim para pequenas famílias românticas que fazem as coisas por amor” (p. 23).

Para Cornelli, o terceiro sentido é o mais íntimo da alimentação: o sentido poético. No sentido de revelar quem somos, a consciência alimentar nos faz conhecer a nós mesmos. Poético vem do grego poiésis : criação. “Comer é nos criar a todo momento, física e espiritualmente, isto é, eticamente” (p. 33) afirma o filósofo. Ainda do grego, cozinheiro é magheiros, que tem raiz comum com magia: a transformadora da realidade. Ou seja, “cozinhar é um ato de rebeldia das leis do mundo: é reinventar continuamente nossa relação com ele” (p. 33).

Yesudiam afirma que o organismo humano poderia sobreviver com uma quantidade ínfima de comida, compensando eventuais deficiências com a água e o ar. O que o organismo humano tem real dificuldade em lidar é com os excessos que cometemos a cada refeição. Os resíduos são tantos, que vão acumulando-se de maneira a intoxicar o organismo, que se expressa, muitas vezes através de febre e catarro, segundo o autor. Yesudiam nos conta uma lenda maometana indiana cujo fundamento pode-se encontrar referindo-se à quantidade de vezes que respiramos: “Alá destina a cada pessoa, ao nascer, certa quantidade de comida que deve durar-lhe até o fim de seus dias. Se consumirmos essa comida depressa demais, morreremos mais cedo” (p. 95).

Para Cornelli uma das coisas fundamentais da vida é conhecer o tamanho do próprio estômago, e nesse processo o ser humano vai tornando-se autor de escolhas mais precisas e preciosas acerca do que entra ou não em seu corpo. O papel de regulador, de selecionador é fundamental para o ser humano se conhecer, se reconhecer e se transformar. Aprender a escutar o próprio corpo é uma sutileza a que nos atentamos somente quando adoecemos, mas ao conhecer o tamanho de nosso estômago vamos aprendendo a ouvir quais são as verdadeiras demandas de nutrientes que precisamos ingerir, ou seja, não só a quantidade do que comemos, mas a qualidade do que comemos!

O filósofo finaliza suas reflexões trazendo a questão da fome enquanto ato de rebeldia contra a morte, que seria a perda total das energias vitais. Ele afirma que “comer é lutar contra a morte e o perecer da vida, mas afirmando trágica e corajosamente o efêmero, o que não é eterno” (p. 34). Produzindo, preparando ou transformando o alimento através do cozimento cada individuo transforma-se a si mesmo num ato de criação e recriação. No sentido poético, essa reinvenção do alimento leva a reinvenção de si e conseqüentemente do mundo. Uma possível definição de cultura pode ser também uma possível definição do cozinhar: “pegar as coisas como estão na natureza e transformar naquilo que se quer” (p.34).

Conclusão

Troca, movimento, prazer, amor, natureza, criação, eternidade, justiça, poesia, transformação, reinvenção… Palavras, conceitos e valores que não dissonam das reflexões que alguns autores yogues fazem a respeito da alimentação, mas apontam um sentido mais abrangente, ou holístico (do grego holos: todo) que é a concepção de um sentido espiritual para a alimentação. O desenvolvimento da consciência de ser uno com a natureza pode levar o ser humano a uma ampliação sobre a consciência de si mesmo. Expandir a reflexão sobre o ato de alimentar-se é, de alguma maneira buscar uma aproximação com nossos ritmos mais naturais, com a composição microscópica de que somos feitos na matéria e que de forma surpreendente está urdida com as nossas vibrações mentais e nossas esferas mais sutis. Yesudiam alerta para que “comecemos conscientemente, por livre e espontânea vontade, a fazer voltarem ao ritmo natural as nossas funções vitais” (p. 88).

Saciar um desejo natural é extremamente gratificante, o grande engodo disto, entretanto, encontra-se no fato de que o homem, reconhecendo esta cadeia de prazer, converteu o gozo em algo que tem um fim em si mesmo. Como afirma Yesudiam, “o homem já não se alimenta com o fito de manter a eficiência do corpo, mas considera o comer como fonte de prazer!” (p.83). Tornamos portanto nosso apetite em uma reação hiperestimulada. Yesudiam discrimina entre fome e apetite, conceituando o primeiro termo como algo natural e o segundo como mero ímpeto de prazer, fruto da superestimulação do paladar.

“O ser comum é escravo dos sentidos; alimenta-se obedecendo a impulsos, preferências e prazeres. Nesse estágio ainda precário de consciência, estabelece um padrão caótico, doentio e desajustado de alimentação, perpetuando assim seu sofrimento” (Bontempo, p.8). A exagerada estimulação do paladar nos leva a um apetite anti-natural, condiciona o organismo a adequar-se a processos lesivos acumulando toxinas e sobrecarregando seus órgãos. A literatura no Yoga aponta para o grande ônus que este processo gera para as organizações mais sutis do homem, afetando estados mentais, reações emocionais e atitudes cotidianas.

A prática do Yoga pode nos levar a uma percepção mais apurada acerca desses padrões que nos fazem vítimas de nossa ignorância. Iniciamos uma jornada em direção a nós mesmos e de maneira sutil e irreversível vamos nos dando conta da importância de cada gesto, de cada flor que há nesse imenso caminho da vida. Vamos nos fortalecendo enquanto seres divinos e vamos nos permitindo vivenciar uma maior expressão da vida em nós mesmos.“A Hatha Ioga produz uma serenidade mental que desconhece o medo, uma constante atenção a tudo quanto ocorre exteriormente, e a filosofia do homem religioso, que coloca a sua confiança inabalável na ordem superior de forças” (Yesudiam).

BIBLIOGRAFIA

ASSIS. Daniel Francisco de. Suco Verde.

BONTEMPO, Márcio. Guia prático da alimentação natural. Uma abordagem médica. São Paulo, 1994.

CORNELLI, Gabriele e Danilo Santos de Miranda (orgs). Cultura e Alimentação. Saberes alimentares e sabores culturais. São Paulo: SESC, 2007.

Hermógenes, José. Yoga para nervosos. 43ª ed. Rio de Janeiro, 2008.

Autoperfeição com Hatha Yoga. 50ª ed. Rio de Janeiro, 2010.

Yesudiam, Selvarajan e Elisabeth Haich. 16ª ed. São Paulo, 2002.

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Yoga hoje e sempre

Por Heloisa Mazon Peris

Sempre tive a impressão de que se me entregasse ao mundo da yoga acabaria indo meditar no Himalaia ou ficar jejuando até desfalecer.

Fazer parte de um grupo e ter que se adaptar física  e culturalmente a seus estereótipos sempre me causou um certo preconceito. Igrejas que determinam maneiras de se vestir, pessoas que raspam a cabeça quando começam a pertencer a determinadas seitas, pessoas que começam a fazer yoga e começam a andar de túnicas ou com um visual mais indiano.

Não necessariamente isto acontece de maneira impositiva, mas as coisas começam não sei por que a tomar este rumo, como se sempre as pessoas tivessem que se identificar em suas maneiras, seus modos, suas vestimentas para acreditar que estão entregues realmente aquela situação proposta. As que continuam da mesma forma, parecem que não se entregaram totalmente àquilo, não tem tal pertencimento.

Talvez isso não ocorra mais hoje em dia e isso é uma maneira bem generalizada de ver as coisas,  mas essa não é minha primeira tentativa de fazer yoga e este certo preconceito que rodeava minha mente, ou talvez não exatamente um preconceito, mas um medo intimo de me perder de mim sem mesmo nem ter me encontrado, foi também um dos motivos que me distanciaram da yoga por  mais algum tempo.

Toda minha busca, meus questionamentos, toda minha trajetória desde que entendo com alguém neste mundo sempre passou de forma integrada, aberta a todas as religiões, a todas as pessoas, a todas as sensações, mas sempre com medo de fazer parte de um algo, de que alguém ou alguma coisa, por meio  de alguma teoria ou de algum argumento me  tirasse a liberdade que eu acreditava ter d e pensar e agir.Tentava saber de tudo , mas como não me permitia envolver , sabia apenas, não vivia em mim, não sentia.

Religião, grupos de amigos, sempre pertencia a tudo, mas nunca fui de ninguém sempre fui de mim mesma, nunca estive em busca da felicidade, sempre fui feliz, sempre estive em busca de compreender, não sei bem o que, a vida, eu mesma, e de certa forma conseguir controlar uma energia absurda e incontrolável que pulsava dentro de mim. Esse turbilhão energético que me movia, mas que também me desgastava, era cheio de extremos, desde  estremecer de emoção simplesmente em olhar uma paisagem ou de me fazer despencar em lágrimas com coisas absurdamente simples como a sensação que eu tinha desde sempre no meu intimo da presença incondicional de Deus, da certeza da beleza da vida e da benção que eu tinha em poder viver e sentir na alma a possibilidade de descobrir cada vez mais, até chegar as minhas culpas e as tristezas das mazelas humanas e das desgraças do mundo sem o  menor domínio para nenhum dos extremos.

O começo da descoberta do mundo da yoga me pareceu da mesma forma, uma tentativa de que eu fizesse parte de algo e que teria que me moldar para me adaptar a ele e mesmo assim eu queria conhecer aquilo, vivenciar, entender e foram muitas as vezes que tentei fazer aulas e foram muitas as vezes que desisti das aulas, simplesmente porque não gostava daquilo, não entendia aquilo.

Um conceito muito em alta ainda hoje, e que eu já questionava na época, era de que yoga era um bom alongamento e um relaxamento. Duas coisas que eu realmente não conseguia fazer de forma eficiente em uma aula de yoga. Eu não conseguia entender aquelas posturas, não podia ser que era só o que aparentava ser. Tentava me esforçar para entender o que realmente poderia significar como aquilo poderia acalmar ou relaxar, aqueles mantras que muitas vezes não tinha vontade de cantar, aquele incenso que na gostava de cheirar, aquelas posturas que me deixavam ansiosa, mais tensa do que quando havia iniciado a prática.

As aulas normalmente tinham um ritmo que me criavam uma ansiedade com aqueles movimentos lentos, aquela coisa que parecia para senhoras, uma limitação quase da possibilidade do corpo, algo sem muitos desafios, parecendo até mesmo angustiante, limitando o meu corpo e inquietando a minha mente.

Cada vez com a mente mais inquieta, cada vez uma maior busca, de um centro, algo que eu sentisse no meu corpo, que refletisse na minha mente e que inundasse o meu espírito. Minha mente era um turbilhão e meu corpo começava a cansar.

Nadar, nadar  e nadar começou me dar um alento, aquela água me massageando, aquela contagem que eu não podia perder de metros em metros, centenas e milhares de metros e aquilo ia me conduzindo a um relaxamento e a um desligamento que foi surtindo efeito a meu favor. A partir daí se deram uma série de descobertas e uma delas foi o Pilates.

O Pilates me fez conhecer meu corpo em conjunto com a  minha mente. Foi com o Pilates que comecei a entender esta relação. Os movimentos de desequilíbrio e a consciência de que cada músculo  tem que ser acionado para fazer aquele movimento, a idéia de imaginar  o corpo para criar  o movimento e o grande desafio de executar o que foi imaginado  foi me dando uma conhecimento do poder da minha mente sobre meu corpo que eu muitas vezes já havia ouvido falar mas jamais havia sentido.

A consciência sobre meu corpo desafiada por ele e descrita pelo cérebro, gerou em mim uma dimensão de ligação de unidade que já existia em mim em todas as minhas sensações de liberdade e felicidade, de tudo aquilo que sempre sentira desordenadamente, que eu sempre soube que existia, mas a partir deste momento de descobertas sobre meu corpo, sobre minhas possibilidades,   comecei a ter algum controle sobre estas emoções e começar a controlá-las, dispor daquilo no momento que eu quisesse  começou a se tornar como um encontro comigo mesma, uma calma, uma clareza, uma nova possibilidade dentro daquele turbilhão em que eu vivia.

Sem fazer yoga, comecei a entender o que era a yoga e de volta enfim a yoga, com o curso de formação de professores, descobri  cada parte do meu corpo em movimento, cada respiração que me reforçava o poder do meu centro de força.

Cada movimento é um trabalho mental , cada movimento é uma  descoberta de uma parte de mim e o silêncio de cada permanência começou a acalmar minha mente, começou a  se tornar a minha fortaleza, a minha segurança de domínio sobre mim, e como em um passe de mágica, assim mesmo, como mágica, como uma criança que começa a descobrir o mundo, eu comecei a descobrir meu corpo no espaço, minhas possibilidades de movimento e minha maior possibilidade:a de acalmar  o meu corpo e meu pensamento , sentir meu corpo e um conjunto de sensações  com uma outra consciência.

A partir deste conhecimento, começou uma onda de possibilidades de como minhas limitações se refletiam em como eu havia construído meu corpo, em minha percepção em um primeiro momento da minha mente, percebendo minha psicologia e meu olhar sobre a minha realidade de meus conceitos e preconceitos e descobri um novo sentido da vida e sem esforços, sem cobranças, minhas convicções antes claras mas utópicas na minha cabeça, simplesmente passaram a existir no meu coração, sem o peso do erro, livre como nunca imaginei que pudesse me sentir.

Acalmar o corpo,  acalmar a mente e separá-la de mim. Todos os padrões da minha mente  não pertencem mais a mim ,eu escolho a realidade que quero criar, mas dominar a respiração e a mente em uma situação em que o corpo não está dominado tem me feito questionar o suposto domínio que conquistei e esta dança não acaba nunca, pois nesta interligação, nesta conexão complexa, chegar à paz é um caminho árduo, contínuo, mas desejável e possível.

Parece que despertei , comecei, e esse começo não tem um fim, é o inicio de um novo entendimento, de uma nova vivência, da essência da vida. É o final da busca e o reinicio dela.

Poderia ir meditar no Himalaia, raspar a cabeça ou não fazer nada disso. Isso já não faz o menor sentido e a liberdade acende uma luz no meu caminho, parece que tudo ficou iluminado, que eu acendi uma lanterna e vou para onde

eu quiser, livre para o universo, livre de tudo.

Esse é um grande momento, o verdadeiro encontro, o fim da equação do universo que queria desvendar. É uma emoção impossível de descrever.

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O Que é Yoga? Quem sou Eu?

Por Iseu Nunes

Começar a andar e mais ainda persistir no caminho do Yoga como ser  individual para mim foi surpreendente. Aparentemente vai contra tudo o que já fui ou pratiquei em termos de posturas frente à vida [ persona ]. Sou ( ou era) uma pessoa de índole cética em relação à espiritualidade, para não dizer refratário. Mesmo assim, há alguns anos atrás “resolvi”  começar a ter aulas de yoga. E comecei no Isvara, por indicação de  ex-alunos. No começo achava que yoga resumia-se a aprender e praticar asanas.

Eu aprendia as posturas por imitação, praticava e não gostava mesmo!

Sentia-me dolorido e frustrado..

Dormia como uma pedra na fase do relaxamento em aula. Mesmo assim, naquela  época eu quis fazer o curso de formação de professores para aprofundar o estudo e ver se achava algo novo. O curso não foi ao ar. Fiquei furioso. Aproveitei a “ deixa” para sair velozmente  porta afora do Isvara, achando & resmungando que tinha sido pura perda de tempo ficar me contorcendo feito uma minhoca. Parei de praticar por cerca de dois anos. “Para não dizer que não fiz mais nada relacionado, lia uma vez por semana trechos do “livro “ O chamado dos Upanishads” escolhidos pelo método de abrir ao acaso e ler o que se apresentava. O engraçado é que mal lia  algumas linhas, despencava também em sono (sem sonhos recordados) mais que profundo.

Dois anos depois de sair do Isvara, recebi um e-mail comunicando que o curso de formação de instrutores de yoga voltaria a ser ministrado… Senti um impulso (na época inexplicável) e voltei ao Isvara para fazer matrícula e a freqüentar aulas práticas enquanto aguardava o início do curso. Agora veio a surpresa, pois assim que recomecei a praticar os asanas, os mesmos..mesmíssimos que praticava, notei que não me sentia mais dolorido, uma sensação de bem estar durante e após a prática se instalava em mim..e não dormia  mais no relaxamento. Permanecia e permaneço em um estado de atenção em algum lugar que não consigo identificar, mas me é ( ou me parece)  familiar.

O que será que aconteceu durante este tempo de afastamento. O que desencadeou ou resultou nesta “ adaptação”? Seriam efeitos físicos retardados das práticas (asanas) anteriores? Ou seria efeito de alguma vivência ou processo não consciente. A resposta, consigo intuir, parece estar ligada à resposta para uma pergunta que venho me fazendo desde que iniciei as aulas de Vedanta que consiste mais ou menos em: Se  o apego da Mente ao Ego nos torna inconscientes ou refratários em relação ao que o Vedanta  chama de nossa “ Verdadeira natureza “   O QUE então nos ACORDA? O que nos coloca a caminho?  Quem faz a pergunta primordial que inicia a cisão e o fim do conforto do Ego: QUEM SOU EU? Afinal, quem ou o que  é o EU que faz a pergunta… quem sou EU? O Ego é que não foi ou pode ser  porque pergunta feita, cisão instaurada.

Percebo meio alarmado que a única solução para resolver a contradição e restaurar o equilíbrio entre um eu (Ego) que percebe ( ou é forçado a perceber) que existe algo mais ou além dele (que fez A PERGUNTA)  e um EU que ainda não se mostra à consciência, mas se avoluma e ameaça como hipótese cada vez mais palpável  é chegar ao final do mistério do “quem sou EU”  e de alguma forma tentar integrar estes conteúdos ou realidades.

Vendo em retrospectiva, percebo que ao colocar os pés no Isvara, comecei [ simbolicamente] a me entregar  ou em temos equivalentes, a abrir mão das certezas ou da objetividade individuais, isto significando que esta pergunta “quem sou Eu” é que está por trás (ou pode estar)  da atitude  que me levou pela primeira vez a “ decidir frequentar aulas de Yoga”.

De forma um tanto hilária, começo a perceber  que “a “ dor corporal”, o “ dormir como uma pedra” eram formas de resistência desesperadas do complexo mente-ego-corpo  a um caminho que poderia  ter desdobramentos ( para a mente individualizada ) imprevisíveis ou em termos mais compreensíveis: A pessoa ou Ser  individual somatizou  um  conflito entre o Ego e o EU.

Escrever o que estou escrevendo agora, foi um outro parto. Percebo que estou verbalizando & expressando que estou irremediavelmente dividido, não posso mais recuar, porque não consigo (eu) ignorar a presença desta por ora… sombra projetada do EU. Mais paradoxal ainda para mim é de repente perceber que existe ( ou parece existir) uma dinâmica interior no Ser ( ou do que esta vindo-a-Ser ou Ser-tornando-se consciente) que independe do ego ou de  “ minha vontade” e que sempre esteve agindo todo o tempo impertubávelmente que me levou aonde  [ esta dinâmica] precisava ou pretendia chegar.

Coincidência ou não, observo um notável paralelismo entre o fato de estar hoje aprendendo e praticando Hatha-yoga, que por conta de leituras do Curso ( Cifay) passou a ter  (ao menos para mim) pontos de contato com a Alquimia (1), assunto que estudei e pensei ter descartado. Tive minha atenção despertada para  a Alquimia há  uns 20 anos passados após ver algumas reproduções de figuras ( iluminuras) de pergaminhos alquímicos medievais.

Estas imagens me ocasionaram uma incômoda sensação de reconhecimento  interior tão logo vistas. Querendo saber mais, ao menos para ver se me livrava ou ao menos entendia o que era esta sensação de familiaridade,  li diversos textos clássicos de Alquimia (Mutus liber, Atalanta fulgiens—imagens abaixo). Fiquei fascinado e mais  perturbado ainda,  já que  à medida que lia ( ou via) aumentava a sensação interior de que o objetivo ou insight da Alquimia ( a transmutação do próprio praticante  por conta  ou ao final do processo de trabalhar—transmutar a matéria) era  objetivamente factível ou  possível.

Achei que estava delirando. Meu lado lógico-racional recusou-se a admitir [integrar] a validade de qualquer dado ou insight vindo desta fonte ( Interioridade).  Para mim o nome Alquimia estava associado a um “ produto cultural” de um período histórico atrasado em termos de conhecimento científico, ou para resumir, coisa de ignorante ou analfabeto científico.

Por conta do impasse entre meu lado racional e a incômoda  sensação de familiaridade interior e pior ainda, uma tácita aceitação[concordância] interior para com o insight da idéia da transmutação, andei estudando  a fundo as obras de C. Jung.

Resumidamente,  Jung  coloca a Alquimia e suas imagens como a expressão histórica do  arquétipo do Si – mesmo atuando [operando ou concretizando-se] nas manifestações da psique coletiva ( Inconsciente coletivo) e também na psique individual através de sonhos,  sendo que para esta última estas imagens ou similares fazem parte ou estão associadas ao  que ele [ Jung] denomina Processo de Individuação (2).

A proposta ou construção psicanalítica de Jung não me satisfez. Primeiro porque eu não estava sonhando com nada parecido e segundo e mais complicado, a concordância [ sensação de certeza]  interior com a idéia central dos textos alquímicos ( Possibilidade objetiva da Transmutação) longe de se esfumaçar  ou sumir pelo “ entendimento racional” de que “ a sensação de familiaridade era apenas o reconhecimento de uma mera imagem do inconsciente “ ou ainda: Ah que alivio…. Era apenas uma fantasia; firmou-se como fato consumado. Dei de ombros, fechei e guardei os livros e botei uma pedra em cima do assunto. { Mentira…vez ou outra ao longo destes anos, furtivamente dava uma lida nos textos e voltava a guardar..achei que era “ uma fantasia inofensiva”..ai..ai }

Agora aqui estamos (estou)  a praticar Hatha-Yoga e a reconhecer que realmente a possibilidade (alquímica) de transmutação do ser humano, pelo menos a nível espiritual era e é uma possibilidade concreta e que o Yoga dá meios para se tentar esta incrível aventura,

Constato e reconheço, agora conscientemente de que realmente havia  uma dinâmica interna [ ou interior] agindo, que me levou a ir fazer aulas de Yoga e me trouxe de volta, e agora as coisas finalmente estão mais claras { o que parece ser o objetivo integrador desta dinâmica},

Reconheço que esta dinâmica  interna {Interioridade} era quem reconhecia conteúdos familiares em figuras e textos herméticos e alquímicos…  pois estes falam poeticamente… que é a linguagem entendida { ou falada} pela Alma,

Reconheço que a resistência [ medo] do racional aos conteúdos da Interioridade foram os responsáveis pelas dores corporais e pela sensação de frustração de minha anterior vivência na prática e obviamente por ter saído fora { fuga desabalada} na primeira oportunidade,

Percebo agora que esta fuga era uma mera repetição de todas as minhas fugas na vida, causadas pelo verdadeiro pavor do consciente-racional à Interioridade,

Percebo que ter ficado praticando asanas e pranayamas em aula, no meu primeiro período no Isvara, apesar da resistência feroz de meu corpo-mente, foi instrumental para a exteriorização de conteúdos-energias  “ inconscientes” que sempre estiveram tentando ser integrados ou liberados, ou para usar uma linguagem mais associada ao curso: Desobstruiram-se alguns canais” … Aquietaram-se um pouco “ as ondulações da mente”,

Com isto pelo menos a sombra do Si – mesmo { ou EU} pode ser visualizada, ou melhor,  intuída de vez,

Percebo[entendo]  que Hatha-Yoga é [ pode ser] realmente instrumental para que o estado de Yoga possa ser atingido,

Percebo finalmente, agora com a enorme vantagem do entendimento [ aceitação ] e que é inútil { burrice } fugir  e que se pode através do Yoga..abrir a porta para poder  ir … muito além das fronteiras da finitude ( uau !),

Isto me traz de volta a pergunta: O que é Yoga.

A pergunta tem uma resposta relativa ao ( m–eu) momento:

Trata-se do caminho para expressar quem sou EU,

Única maneira de perceber o que isto se trata, já que não é o Ego, não é nada que eu possa perceber ou nomear ou ver pelos sentidos ou pela mente, mas paradoxalmente, consigo intuir — agora com a ajuda do Vedanta e das práticas —  está  em todas estas coisas também.

O sem forma está em todas as formas, não é idêntico, mas não é diferente. É a pergunta ( ou quem faz) e a resposta.

Confio, aceito…

Bibliografia citada:

(1) Feuerstein G. –  A Tradição do Yoga – Ed. Pensamento -1998- Cap.18 – O Yoga como alquimia espiritual – p. 35 e segs.

( 2) Jung  C.J. – Psicologia e Alquimia – Ed. { burrice } Vozes 2º Ed. – 1994.

Nota *

Por se referir a uma visão pessoal que tenta integrar conteúdos e vivências, os tempos cronológicos e psicológicos não tem uma correspondência exata.

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